2004/05/09

 
A lucidez de Saramago

Volto de novo a reflectir sobre o último livro de Saramago, pois agora já o li até ao fim.
É Saramago no seu melhor. Com uma lucidez que faz inveja ao comum dos mortais, o autor faz o retrato de um país, de uma democracia,de um povo que, não pretendendo ser identificados, são na minha perspectiva o nosso país, a nossa democracia e o nosso povo. Com uma fina ironia, apresenta as instituições políticas que nos representam. Posso, a título de exemplo, transcrever o seguinte excerto do romance "Ensaio sobre a Lucidez": "O telefone tocou no escritório do primeiro- ministro, podia ser o ministro da defesa, ou o do interior, ou o presidente. Era o presidente, Que se passa, por que não fui eu informado em devido tempo da barafunda que está armada nas saídas da capital, perguntou, Senhor presidente, o governo tem a situação controlada, em pouco tempo o problema estará resolvido, Sim, mas eu deveria ter sido informado, deve-se-me essa atenção, Considerei, e assumo pessoalmente a responsabilidade da decisão, que não havia motivo para ir interromper o seu sono, de todo o modo propunha-me telefonar-lhe dentro de vinte minutos, meia hora, repito, assumo toda a responsabilidade, senhor presidente,Bom, bom, agradeço-lhe a intenção, mas, se não se desse o caso de a minha mulher ter o saudável costume de se levantar cedo, o chefe do estado ainda estaria a dormir enquanto o país arde, ...." E até a alusão ao escândalo, fruto da cegueira, do ministro da cultura, de há quatro anos nesta obra (vd. Ensaio sobre a Cegueira do mesmo autor) , me fez pensar no secretário de estado da cultura, Sousa Lara, no governo liderado por Cavaco Silva, que num ímpeto de insensatez, retirou Saramago da candidatura a nobel da Literatura. E por falar no ex primeiro-ministro, é interessante a referência na página 192 do livro publicado pela Caminho - "Tem razão uma vez mais, senhor presidente, Não direi como o outro, que nunca me engano e raramente tenho dúvidas ...."
Bem haja, Saramago.

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